quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Malawi: Amnesty International apela pela libertação incondicional de casal gay

A Amnesty International apelou às autoridades do Malawi para que libertem imediata e incondicionalmente dois cidadãos, Steven Monjeza e Tiwonge Chimbalanga, detidos em 28 de dezembro de 2009 sob a acusação de "práticas antinaturais entre pessoas do sexo masculino e atentado contra a moral pública".

Steven Monjeza, de 26 anos, e Tiwonge Chimbalanga, de 20, foram presos pela polícia no Malawi dois dias após terem celebrado uma "cerimônia de noivado tradicional" em Blantyre, distrito de Chirimba. Eles teriam sido espancados pela polícia enquanto estavam sob custódia. Os dois apareceram em tribunal no dia 4 de janeiro e continuarão em prisão preventiva até segunda-feira, 11 de janeiro. Eles estão detidos na prisão de Chichiri.

A prisão do casal apenas por causa de orientação sexual - real ou percebida - corresponde à discriminação e violação dos direitos à liberdade de consciência, de expressão e de privacidade. Leis que criminalizam a homossexualidade e identidade de gênero criminalizam o exercício legítimo desses direitos humanos, que são protegidos em tratados ratificados pelo Malawi, como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e a Carta Africana de Direitos Humanos e dos Povos.

Segundo os termos destes tratados, o Malawi tem a obrigação legal de respeitar e proteger o direito à liberdade de consciência, à liberdade de expressão e o direito à privacidade, sem discriminação em razão de, dentre outras coisas, orientação sexual.

A Amnesty International considera indivíduos presos exclusivamente devido ao relacionamento sexual consensual em privado como prisioneiros de consciência, e exige a libertação imediata e incondicional deles.

A Amnesty International também criticou as tentativas, por parte das autoridades do Malawi, de submeter os dois homens a exames médicos forçados no ânus para determinar se eles mantiveram ou não relações sexuais, de forma que pudessem então ser acusados de sodomia. Na segunda-feira, as autoridades tentaram submeter os homens a exames anais forçados para estabelecer se os dois haviam "consumado" o noivado, mas a idéia foi abandonada quando não foi possível encontrar um "perito" para examiná-los.

Exames anais forçados desse tipo, sem o consentimento das pessoas afetadas, violam a proibição absoluta de tortura e tratamentos ou punições cruéis, desumanas e degradantes.

Tais exames para "provar" que um homem manteve relações sexuais com outros homens não seriam capazes de confirmar as acusações - são denúncias de atos que, para começar, não deveriam nem ser criminalizados. Em qualquer caso, são exames altamente invasivos, abusivos e profundamente humilhantes. Além disso, os médicos que realizam esse tipo de exame, ao fazê-lo à força, violam as suas obrigações éticas para com as pessoas que examinam. Cidadãos sujeitos a tais abusos devem contar com reparação adequada e serem protegidos de abusos futuros.

A Amnesty International adverte também que a prisão de Steven Monjeza e Chimbalanga Tiwonge reprime o comportamento aberto entre homens que mantêm relações sexuais com outros homens no Malawi, tornando mais difícil o acesso a informações sobre prevenção de HIV e a serviços de saúde. A Estratégia Nacional de Combate a AIDS no Malawi para 2009-2013 inclui medidas de trabalho com homens homossexuais para deter a propagação do HIV.

A Amnesty International disse que os jovens precisam de apoio de suas comunidades e do governo, não confinamento em cadeia por causa de sua orientação sexual. Eles devem ser libertados incondicionalmente e apoiados para se recuperarem dessa traumática experiência.

Informação complementar

Em 26 de dezembro de 2009, Steven Monjeza e Tiwonge Chimbalanga celebraram uma cerimônia de noivado tradicional no bairro pobre de Blantyre, em Chirimba. Dois dias depois, os dois foram presos pela polícia após a notícia ter sido divulgada nos jornais locais.

Em 28 de dezembro, o casal compareceu perante um tribunal de justiça em Blantyre, e o juíz prometeu tomar uma decisão até 4 de janeiro de 2010.

Em 4 de janeiro, os dois comparecem perante o mesmo juiz e lhes foi negada fiança "para sua própria segurança" e em "interesse da justiça". Eles foram presos preventivamente até 11 de janeiro.

Mais uma vez, em 4 de janeiro, a polícia do Malawi prendeu Bunker Kamba, ativista dos direitos dos portadores de HIV/AIDS do Centro de Desenvolvimento Pessoal (CEDEP, em inglês), por posse do que a polícia qualificou como material pornográfico. Bunker Kamba foi preso após a polícia ter apreendido o material que a organização utiliza para educar homens homossexuais sobre o HIV/AIDS. Ele se entregou à polícia acompanhado de seus advogados e foi liberado sob fiança. Segundo informações, a polícia também estaria à procura do diretor da CEDEP, Trapence Gift, pelo mesmo motivo.

Na formulação da Estratégia Nacional de Combate a AIDS no Malawi em 2009, o governo malauiano fez ampla consulta, inclusive com homens homossexuais, sobre as formas de combater a propagação do HIV no país. Em setembro, o governo reconheceu publicamente a necessidade de incluir os homossexuais na sua estratégia de HIV/AIDS.

Dr. Lorna Martin, Especialista Chefe e Diretora da Divisão de Medicina Legal e Toxicologia da Universidade de Cape Town afirmou [em uma carta para a Human Rights Watch] que "é impossível detectar a penetração anal crônica, e que a única vez que a perícia [anal] pode vir a ser útil de alguma forma é em casos de penetração anal aguda não consensual, quando determinadas lesões podem ser detectadas". Além disso, em um comunicado para a Comissão Internacional de Direitos Humanos de Gays e Lésbicas, Dr. Vincent Lacopino, Consultor Médico Sênior do Physicians for Human Rights (Médicos pelos Direitos Humanos, em tradução livre) e um dos principais redatores do Manual para Investigação e Documentação Eficazes da Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes da ONU (Protocolo de Istambul) concorda que "as perícias forenses anais não têm nenhum valor para determinar se houve coito anal consensual".

A participação de médicos em exames anais forçados viola a ética médica. A Declaração de Tóquio da Associação Médica Mundial, de 1975, proíbe médicos de se envolverem de alguma forma na prática de tortura ou outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. De acordo com os Princípios de Ética Médica, aprovados pela Assembléia Geral em sua resolução 37/194 de 18 de dezembro de 1982, nenhum profissional de saúde deve "tomar parte, ativa ou passivamente, de atos que constituam participação, cumplicidade, incitamento ou tentativa de cometer tortura ou outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes". Além de não participarem em tais atos, a única relação que profissionais de saúde devem ter com detidos é a de "avaliar, proteger ou melhorar a saúde física e mental dos mesmos".

Amnesty International
Declaração Pública – Índice AI: AFR 36/001/2010
6 de janeiro de 2010
Tradução livre
Fonte: Anistia Internacional

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