Você já se perguntou para que serve a escola? É muito provável que sim. Principalmente, se você tem filhos em idade escolar. Quando acompanha as lições de casa, quando olha o caderno do seu filho ou sua filha, quando recebe um bilhete convocando para uma reunião entre pais e mestres. Em algum desses momentos já deve ter passado pela sua cabeça a pergunta: para que serve tudo isso?
Fique tranqüilo, essa questão também perturba muitos profissionais ligados diretamente a educação. Não estou querendo dizer que professores, gestores, políticos e especialistas em educação não sabem o que fazem. Na verdade, a escola é um local de conflito de idéias entre muitos grupos que pensam diferente. Cada grupo tem, portanto, sua própria ideologia. E, sendo assim, a “serventia” da escola não pode caber numa única explicação.
Hoje, por exemplo, é comum ouvir dizer que a escola deve formar o cidadão para o mercado de trabalho. Gostaria de acreditar que todos que passam pela escola terão um emprego digno, mas com o mínimo de conhecimento sobre a economia do país e do mundo, podemos constatar que não há bons empregos para todos. Neste ponto já encontramos um conflito dentro da escola. Se não há bons empregos para todos, os futuros trabalhadores terão que competir pelas melhores vagas. E onde eles podem aprender a competir uns com os outros se na escola isso não mais acontece? É uma questão para se pensar...
Mas a escola, afinal, deve formar pessoas aptas a competirem ou pessoas capazes de colaborar umas com as outras, buscando crescer coletivamente? Se você pensa que há uma só resposta para isso, talvez também acredite que haja apenas um tipo de escola em nossa sociedade. Agora pense em todas as outras escolas onde seu filho não estuda. Como elas são? Melhores ou piores? Quem estuda nas melhores e quem estuda nas piores?
A intenção aqui não é dar respostas prontas mas sim provocar reflexões. Uma delas é sobre o espaço que você ocupa na sociedade. Sua família é da classe A, B, C, D ou E?
Já percebeu que é muito menos penoso dizer que alguém pertence às classes D ou E? Chamar alguém de pobre é humilhante, então dizemos que a pessoa é “humilde”. Tapamos o Sol com a peneira. Os pobres continuam existindo e, agora, sequer tem direito de serem orgulhosos, posto que são sempre “humildes”. De fato, existem pobres e existem ricos. Podem até dar outros nomes às classes sociais. Também há os “remediados”, aqueles que estão no meio do caminho. A maioria deles quer ser rica um dia, mas também podem ficar pobres.
A essa altura você deve ter clareza sobre as diferenças entre as classes sociais. Sabe que elas têm objetivos diferentes, que vivem de maneira diferente, que tem acesso a bens culturais diferentes e, principalmente, que estudam em escolas diferentes.
São muitas as diferenças entre as classes e é por isso que existem conflitos ideológicos. Algumas pessoas tentam esconder esses conflitos, dizendo que todos são iguais e que têm os mesmos direitos. Mas se fosse assim, se no mundo não houvesse formas de pensamento diferentes, se uma classe não quisesse dominar as outras, por que todos não estudam hoje numa mesma escola? Por que será que a elite (a classe dominante) se retirou da escola pública? O que essa elite pensa sobre a escola pública?
Você seria capaz de dizer qual classe social é capaz de impor mais a sua vontade na sociedade? Nós vivemos sob as vontades de quem? Os empregados conseguem impor sua vontade de trabalhar menos? Se conseguissem isso, poderiam conviver mais com suas famílias e acompanhar mais a vida escolar dos filhos. Pense como o ritmo de trabalho se intensificou nos últimos anos e como os direitos trabalhistas têm se reduzido. Mas não há tantos desempregados? Por que então você tem que trabalhar tanto? Não seria mais lógico dividir um pouco sua carga de trabalho com alguém que está desempregado? Que lógica estranha é essa?
Essa é a lógica da classe dominante, de quem determina as regras do mercado de trabalho. Não é à toa que há um grande desemprego. Ele é necessário ao sistema produtivo do capital (esse que nós vivemos). É preciso que haja muitos desempregados para que você não se recuse a trabalhar cada vez mais. Desse jeito, seu patrão pode pedir que você trabalhe mais ainda, proporcionando a ele maior lucro. Se você não quiser, há muitos desempregados que podem tomar seu lugar.
Outra coisa muito falada ultimamente é que a escola deve formar os cidadãos. É a famosa educação para a cidadania. E pergunto: o que é ser cidadão? Isso se aprende? Bom, de fato todos deveriam ser cidadãos. Mas não é somente quando entra na escola que o aluno se torna um cidadão. Isso ocorre (ou deveria ocorrer) já no nascimento. Quanto ao aprender a exercer a cidadania, isso é possível pois estamos sempre aprendendo a viver melhor em sociedade. Entretanto, muitas vezes é uma tarefa extremamente difícil.
E por que é tão difícil formar o cidadão? Porque há muitas idéias diferentes sobre o que é isso de fato. Lembre-se das classes sociais: elas pensam diferente e por isso têm idéias também diferentes sobre o que vem a ser cidadania. Mais uma coisa: existem os conflitos ideológicos que acontecem também no ambiente educacional.
Pense em quem comanda as políticas educacionais. As decisões políticas que determinam o papel da escola são tomadas por quem? Agora, relacione a palavra cidadania a outra também muito conhecida: democracia. Você acredita que os cidadãos brasileiros vivem numa sociedade democrática? Democracia significa “poder do povo”. É isso que vemos diariamente acontecer no mundo da política? É a vontade do povo que prevalece nos rumos do país?
Tente lembrar qual foi a última vez que você pôde decidir algo na escola do seu filho ou da sua filha. Você já foi chamado para tomar alguma decisão importante na escola? E se fosse, como reagiria? Valorizar a opinião dos pais e pedir que ajudem a decidir algumas questões é criar um espaço democrático na escola. Mostrar aos pais as dificuldades da escola e seus pontos positivos é também valorizar a democracia.
Sabemos o quanto isso é difícil, pois vivemos numa sociedade em que a democracia praticamente se resumiu ao momento do voto. Nossa cidadania é plena somente quando temos o direito de votar em alguém. E sequer temos a opção de não votarmos (o voto é obrigatório).
Qual foi a última vez que você participou de alguma reunião ou assembléia sobre algum problema do bairro? Quando pôde dar sua opinião nas políticas de redução de custos da empresa em que trabalha? Quantas vezes você reuniu sua família toda e deixou que todos dessem suas opiniões antes de decidir algo?
Nossa dura realidade nos ensina que precisamos criar espaços de participação, até mesmo dentro de nossas casas. Precisamos enxergar as coisas a nossa volta como elas realmente são. É preciso mudar alguns velhos hábitos e criar novas esperanças. Não podemos esperar que a escola forme cidadãos numa ilha isolada do mundo, sem ela mesma ter se tornado um lugar de participação.
Tomar consciência e começar a mudar algo em nossas vidas não é uma mágica que um dia vai acontecer. É uma primeira decisão, a mais importante, no seu futuro como cidadão. Esperar que a ordem estabelecida (que na verdade é um permanente conflito) traga o progresso é inútil. O progresso verdadeiro depende também do seu questionamento, da sua dúvida, da sua discordância dos fatos. O progresso que espero para todos nós tem a ver com a vontade de todos serem livres e capazes de decidir pelo bem das comunidades onde vivem. O objetivo da educação, portanto, só pode ser o da libertação e da felicidade.
Libertário
sexta-feira, 4 de setembro de 2009
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Excelente artigo...Principalmente, no que diz que a democracia atualmente, se resume no direito de votar!
ResponderExcluirRenata