The New York Times
Eram cerca de 23h quando homens armados invadiram o barraco de Kazungu Ziwa, encostaram um facão ao seu pescoço e o fizeram baixar as calças. Ziwa é um homem pequenino, com altura de apenas 1,38 metro. Tentou reagir, mas diz que foi rapidamente dominado.
"Depois, eles me estupraram", conta. "Foi horrível, fisicamente. Fiquei atordoado. Meus pensamentos se dispersaram".
Por anos, as colinas densamente arborizadas e os lagos de águas claras e profundas do leste do Congo têm servido de cenário a atrocidades. Agora, parece que surgiu mais um problema que vem ganhando intensidade: o estupro de homens por homens.
De acordo com organizações assistenciais como a Oxfam e Human Rights Watch, com funcionários da ONU e com representantes de diversas organizações assistenciais congolesas, o número de homens estuprados aumentou fortemente nos últimos meses, como resultado de operações militares conjuntas empreendidas por Congo e Ruanda contra as forças rebeldes na região, que resultaram em violência atroz contra civis.
Os trabalhadores de organizações assistenciais encontram dificuldade para explicar a alta súbita no número de casos de estupro contra homens. A melhor resposta, dizem, é que a violência sexual contra homens representa ainda outra maneira de os grupos armados humilharem e desmoralizarem comunidades congolesas, forçando-as a se submeter.
As Nações Unidas já definem o leste do Congo como principal foco mundial de estupros, e a secretária de Estado norte-americana Hillary Clinton deve conversar com sobreviventes ao visitar o país, na semana que vem.
Centenas de milhares de mulheres sofreram agressões sexuais por parte dos diversos grupos armados que infestam as colinas, e no momento a área está atravessando um de seus mais sangrentos períodos em anos.
As operações militares conjuntas envolvendo forças do Congo e Ruanda, vizinhos e até recentemente ferozes inimigos, tinham por objetivo eliminar o problema dos rebeldes na região da fronteira entre os dois países e dar início a uma nova era de paz e cooperação. As esperanças cresceram depois da rápida captura de um general renegado que havia derrotado forças do governo congolês e ameaçava marchar contra a outra metade do país.
Mas as organizações assistenciais afirmam que as manobras militares causaram horrendos ataques para vingança, e mais de 500 mil pessoas terminaram expulsas de suas casas; dezenas de aldeias foram queimadas e centenas de seus moradores massacrados, entre os quais crianças pequenas arremessadas às chamas.
E a culpa não está sendo atribuída apenas aos rebeldes. De acordo com grupos de defesa dos direitos humanos, soldados do exército congolês estão executando civis, estuprando mulheres e recrutando aldeões como carregadores de sua comida, munição e equipamento, pelas trilhas das selva. Isso muitas vezes representa uma marcha da morte, em meio a uma das mais belas paisagens tropicais africanas, que serve de cenário a uma guerra devastadoramente complicada já há mais de uma década.
"De uma perspectiva humanitária e dos direitos humanos, as operações conjuntas são desastrosas", disse Anneke Van Woudenberg, pesquisadora da Human Rights Watch.
Os casos de estupro de homens ocorreram em uma área de centenas de quilômetros de extensão e podem incluir centenas de vítimas. A Associação dos Advogados dos Estados Unidos, que opera uma clínica de tratamento de violência sexual em Goma, diz que mais de 10% dos casos que a unidade atendeu em junho envolviam homens.
Brandi Walker, que trabalha para uma organização de assistência no hospital de Panzi, perto de Bukavu, diz que "em todo lugar onde vamos, homens também estão sendo estuprados".
Mas ninguém conhece o número exato. Os homens do Congo, como os de qualquer outro lugar, relutam em apresentar denúncias. Diversos que o fizeram contam que foram imediatamente rejeitados em suas aldeias, e se tornaram figuras solitárias e ridicularizadas, apelidadas derrisoriamente de "esposas do mato".
Desde que foi estuprado, semanas atrás, Ziwa, 53 anos, demonstra pouco interesse pela veterinária, seu trabalho há anos. Caminha mancando (sua perna esquerda foi esmagada no ataque), usando um jaleco branco de laboratório no qual a palavra "veterinário" aparece grafada em tinta vermelha, e carrega com ele algumas poucas pílulas do tamanho de bolachas, que usa para tratar de ovelhas e cachorros.
"Basta pensar no que aconteceu para que eu me sinta cansado", diz.
O mesmo vale para Tupapo Mukuli, que disse que foi segurado de barriga para baixo no chão e estuprado por um grupo de homens em sua plantação de mandiocas, sete meses atrás. Mukuli agora é o único paciente homem internado na enfermaria para vítimas de estupro no hospital de Panzi, que abriga centenas de mulheres em recuperação de ferimentos sofridos quando foram estupradas. Muitas delas tricotam roupas e fazem cestas de palha, para tentar ganhar algum dinheiro enquanto seus corpos se curam.
Mas Mukuli fica de fora.
"Não sei fazer cestas", diz. Por isso, passa seus dias sentado sozinho em um banco.
Os casos de estupro contra homens são apenas uma fração dos que envolvem mulheres. Mas, para os homens envolvidos, dizem os trabalhadores assistenciais, a recuperação se prova ainda mais difícil.
"A identidade masculina está vinculada a poder e controle", diz Walker.
E em um lugar no qual a homossexualidade é considerada tabu, o estupro acarreta dose adicional de vergonha.
"As pessoas riem de mim", diz Mukuli. "Na minha aldeia, dizem que não sou mais homens, que os rebeldes no mato me transformaram em mulher deles".
E os trabalhadores aqui dizem que a humilhação é ocasionalmente tão severa que as vítimas masculinas de estupro só procuram os serviços médicos caso estejam sofrendo de problemas graves de saúde, como inchaço na barriga ou sangramento contínuo.
E há ocasiões em que nem mesmo isso é suficiente. Van Woudenberg contou que dois homens cujos pênis foram amarrados com cordas morreram dias mais tarde, porque tiveram vergonha de procurar ajuda. Os casos de castração também parecem estar em altas, e mais homens vítimas desse tipo de ataque estão surgindo nos hospitais.
No ano passado, a epidemia de estupros no Congo parecia estar se atenuando um pouco, com menos casos denunciados e alguns dos estupradores capturados e condenados. Mas hoje parece que aquele modesto prenúncio de lei e ordem foi completamente apagado.
Da forma pela qual os moradores da região descrevem a situação, a temporada de caça aos civis está aberta. Muhindo Mwamurabagiro, uma mulher alta e graciosa com braços longos e fortes, explicou que estava caminhando para o mercado com amigas quando foram subitamente cercadas por um grupo de homens nus.
"Eles nos seguraram pelo pescoço, nos jogaram no chão e nos estupraram", ela contou.
Pior, diz: um dos estupradores era morador de sua aldeia.
"Eu gritei: você é o pai de Kondo. Conheço você. Como pode agir assim?"
Uma mãe congolesa afirmou que um soldado da força de paz da ONU estuprou seu filho de 12 anos. Um porta-voz das Nações Unidas disse não estar informado sobre esse caso específico, mas que haviam de fato surgido algumas novas alegações de abuso sexual contra as forças de paz estacionadas no Congo, e que uma equipe de investigação havia sido enviada ao país para tratar dos casos, no final de julho.
Os profissionais de saúde congoleses estão se exasperando. Muitos defendem uma solução política, e não militar, e dizem que as potências ocidentais deveriam exercer mais pressão sobre Ruanda, que muitos acusam de preservar sua estabilidade ao exportar a violência para o lado de lá das fronteiras do país.
"Compreendo que o mundo se sinta culpado pelo que aconteceu em Ruanda em 1994", disse Denis Mukwege, o diretor médico do hospital de Panzi, em referência ao genocídio naquele país. "Mas será que o mundo também não deveria se sentir culpado pelo que está acontecendo hoje no Congo?"
Tradução: Paulo Migliacci ME
Fonte: http://noticias.terra.com.br/mundo/interna/0,,OI3908162-EI294,00.htmlSymbol of Unhealed Congo: Male Rape Victims
By JEFFREY GETTLEMAN
Published: August 4, 2009
GOMA, Congo — It was around 11 p.m. when armed men burst into Kazungu Ziwa’s hut, put a machete to his throat and yanked down his pants. Mr. Ziwa is a tiny man, about four feet, six inches tall. He tried to fight back, but said he was quickly beaten down.
“Then they raped me,” he said. “It was horrible, physically. I was dizzy. My thoughts just left me.”
For years, the thickly forested hills and clear, deep lakes of eastern Congo have been a reservoir of atrocities. Now, it seems, there is another growing problem: men raping men.
According to Oxfam, Human Rights Watch, United Nations officials and several Congolese aid organizations, the number of men who have been raped has risen sharply in recent months, a consequence of joint Congo-Rwanda military operations against rebels that have uncapped an appalling level of violence against civilians.
Aid workers struggle to explain the sudden spike in male rape cases. The best answer, they say, is that the sexual violence against men is yet another way for armed groups to humiliate and demoralize Congolese communities into submission.
The United Nations already considers eastern Congo the rape capital of the world, and Secretary of State Hillary Rodham Clinton is expected to hear from survivors on her visit to the country next week. Hundreds of thousands of women have been sexually assaulted by the various warring militias haunting these hills, and right now this area is going through one of its bloodiest periods in years.
The joint military operations that began in January between Rwanda and Congo, David and Goliath neighbors who were recently bitter enemies, were supposed to end the murderous rebel problem along the border and usher in a new epoch of cooperation and peace. Hopes soared after the quick capture of a renegade general who had routed government troops and threatened to march across the country.
But aid organizations say that the military maneuvers have provoked horrific revenge attacks, with more than 500,000 people driven from their homes, dozens of villages burned and hundreds of villagers massacred, including toddlers thrown into open fires.
And it is not just the rebels being blamed. According to human rights groups, soldiers from the Congolese Army are executing civilians, raping women and conscripting villagers to lug their food, ammunition and gear into the jungle. It is often a death march through one of Africa’s lushest, most stunning tropical landscapes, which has also been the scene of a devastatingly complicated war for more than a decade.
“From a humanitarian and human rights perspective, the joint operations are disastrous,” said Anneke Van Woudenberg, a researcher for Human Rights Watch.
The male rape cases span several hundred miles and possibly include hundreds of victims. The American Bar Association, which runs a sexual violence legal clinic in Goma, said that more than 10 percent of its cases in June were men.
Brandi Walker, an aid worker at Panzi hospital in nearby Bukavu, said, “Everywhere we go, people say men are getting raped, too.”
But nobody knows the exact number. Men here, like anywhere, are reluctant to come forward. Several who did said they instantly became castaways in their villages, lonely, ridiculed figures, derisively referred to as “bush wives.”
Since being raped several weeks ago, Mr. Ziwa, 53, has not shown much interest in practicing animal medicine, his trade for years. He limps around (his left leg was crushed in the attack) in a soiled white lab coat with “veterinaire” printed on it in red pen, carrying a few biscuit-size pills for dogs and sheep.
“Just thinking about what happened to me makes me tired,” he said.
The same is true for Tupapo Mukuli, who said he was pinned down on his stomach and gang-raped in his cassava patch seven months ago. Mr. Mukuli is now the lone man in the rape ward at Panzi hospital, which is filled with hundreds of women recovering from rape-related injuries. Many knit clothes and weave baskets to make a little money while their bodies heal.
But Mr. Mukuli is left out.
“I don’t know how to make baskets,” he said. So he spends his days sitting on a bench, by himself.
The male rape cases are still just a fraction of those against women. But for the men involved, aid workers say, it is even harder to bounce back.
“Men’s identity is so connected to power and control,” Ms. Walker said.
And in a place where homosexuality is so taboo, the rapes carry an extra dose of shame.
“I’m laughed at,” Mr. Mukuli said. “The people in my village say: ‘You’re no longer a man. Those men in the bush made you their wife.’ ”
Aid workers here say the humiliation is often so severe that male rape victims come forward only if they have urgent health problems, like stomach swelling or continuous bleeding. Sometimes even that is not enough. Ms. Van Woudenberg said that two men whose penises were cinched with rope died a few days later because they were too embarrassed to seek help. Castrations also seem to be increasing, with more butchered men showing up at major hospitals.
Last year, Congo’s rape epidemic appeared to be easing a bit, with fewer cases reported and some rapists jailed. But today, it seems like that thin veneer of law and order has been stripped away. The way villagers describe it, it is open season on civilians.
Muhindo Mwamurabagiro, a tall, graceful woman with long, strong arms, explained how she was walking to the market with friends when they were suddenly surrounded by a group of naked men.
“They grabbed us by the throat and threw us down and raped us,” she said.
Worse, she said, one of the rapists was from her village.
“I yelled, ‘Father of Kondo, I know you, how can you do this?’ ”
One mother said a United Nations peacekeeper raped her 12-year-old boy. A United Nations spokesman said that he had not heard that specific case but that there were indeed a number of new sexual abuse allegations against peacekeepers in Congo and that a team was sent in late July to investigate.
Congolese health professionals are becoming exasperated. Many argue for a political solution, not a military one, and say Western powers should put more pressure on Rwanda, which is widely accused of preserving its own stability by keeping the violence on the other side of the border.
“I understand the world feels guilty about what happened in Rwanda in 1994,” said Denis Mukwege, the lead doctor at Panzi Hospital, referring to Rwanda’s genocide. “But shouldn’t the world feel guilty about what’s happening in Congo today?”
Source: http://www.nytimes.com/2009/08/05/world/africa/05congo.html
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